segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Doente de alma



A chuva cai gelada lá fora enquanto eu olho pelo vidro embaçado da janela os carros derrapando pelo asfalto encharcado. Meu moletom roxo não parece quente o suficiente para conter meus tremores de frio. Penso naquele rosto pálido que em outros invernos estava junto a mim, me fornecendo o calor de seu próprio corpo. Olho envolta e o apartamento escuro e úmido exala a falta daquele alguém em cada centímetro. Passo a mão pelos cabelos desgrenhados e suspiro. Daqui meia hora tenho que sair para o trabalho e não me animo com isso. O ruim de trabalhar como recepcionista de hospital é que você tem que abrir seu melhor sorriso no rosto mesmo que seu cachorrinho de 10 anos tenha morrido na noite anterior. As pessoas que estão ali já tem problemas demais, então você tem que sorrir para que elas não se sintam tão mal. Suspiro outra vez. E do doente de alma, quem cuida? Levanto e coloco o uniforme do hospital, meus saltos estalando pela escada do prédio, como uma marcha fúnebre para mais um dia de sorrisos falsos.




                       Valéria Mares

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Eu moro na palavra

Às vezes sei tanto que não sei dizer o que sei.
Palavras são abismos,
suaves rabiscos
do buraco negro que me tornei.

Minha casa é o verso,
sem telhado,
sem concreto.
onde ventila e chove letra
direto da ponta da caneta.

Sou pequena e sou grande,
sou poesia insinuante.
Eu moro na palavra,
sou tudo, quando o mundo me reduz a nada.






                   Valéria Mares

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Sou lamento

Eu sou um oceano num copo d'água. Não caibo em mim, nem nos outros. Sou a bomba atômica que está guardada e pronta para explodir. E destruir. Sou a destruição em massa, dos outros e de mim mesma. Sou a granada nas trincheiras. Aquela com um pino frouxo que, ao menor toque, matará. Sou a calmaria na superfície, enquanto afundo na confusão. Sou lamento. Autodestrutiva. Uma pura confusão.




             Valéria Mares