segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Pássaro vibrante

Esgueirei-me por entre as falhas,
corri das acusações,
caí entre agulhas e palhas,
queimei dentre as canções.

Fui pássaro vibrante
que às cinzas retornou.
Num estouro fumegante,
enfim se dissipou.

Matei a mim mesma,
você pode me ouvir?
Da minha própria aspereza,
impossível é fugir.

Sou meu próprio inimigo.
Saboto-me, descamo-me,
mas das cinzas vou retornar.
E, sozinha, voltar a voar.





                       Valéria Mares

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Sobre ser

Eu sou o que você teme, mas, ao mesmo tempo, admira. Eu sou a coragem que você reprime, o impulso contido e sufocado dentro de você. Me julgas por não conseguires ser como eu, por não conseguir se libertar, como eu. Eu sou o que destrói seu ego, esmaga sua confiança, nada em tuas lágrimas com calma e tranquilidade. Não te quero mal, só quero que aprenda, que seja. Gente que é deixa os outros serem também. Gente incapaz de ser atormenta quem tem essa ousadia. Eu sou eu mesma e isso te incomoda.
Seja e deixe ser. Descubra teu interior e mergulhe nele sem medo ou receio, sem culpa, sem ouvir conselho. Meu medo é o mundo de farsas, de máscaras que podem ou não cair. Meu medo é de ser verdadeira em um mundo de mentiras.




Valéria Mares

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Impostor

Não sou eu,
você se enganou.
Desculpe, senhora,
mas eu sou um impostor.

Não fui eu,
você está errado.
Com licença, rapaz,
mas eu estava do outro lado.

Sim, agora sou eu.
O que errou, o que sofreu.
O falho, o impostor,
não digno de tanto amor.

Impostor, fui eu a usurpar.
Não mereço aqui estar.
De mim, só sinto rancor
de ser sempre um impostor.


  Valéria Mares.

sexta-feira, 31 de julho de 2015

Perdas

Se dizia poeta,
mas perdia as palavras.
Se dizia bonita,
mas perdia os reflexos.
Se dizia feliz,
mas perdia os sorrisos.
Se dizia forte,
mas perdia a coragem.
Se dizia inteligente,
mas perdia as contas
de quantas perdas
teve que enfrentar.




       Valéria Mares

Olhos em fogo

Queima,
em brasa.
Quebra
a taça.
Grita, esperneia.
Incendeia
sua raiva contida,
sua mente contrita.
Olhos em fogo
para a nudez do corpo.
É tudo uma trapaça,
a visão embaçada.
Não vê a dor,
tudo é calor.
Lábios em chamas,
olhos em fogo.
Queima.
Estou em brasa,
queimada pela sua falta.
Mas a dor tem sua graça.
O amor pode queimar,
a dor, incendiar.




                     Valéria Mares

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Chuva de lembranças

A chuva me lembrava das noites em que passávamos na janela do seu apartamento vendo as luzes da cidade, ouvindo buzinas e aviões decolando. Tua voz era mansa a me contar histórias da infância, travessuras que nunca vou esquecer. Nossos risos ecoam na minha mente enquanto cada lembrança cai como gota de chuva na minha memória. Saudade é como um temporal em cima da gente, aquele desconforto gelado no coração de quem perdeu algo importante pelas ruas ensopadas e desertas de uma cidade cheia.

                       Valéria Mares


segunda-feira, 4 de maio de 2015

Promessas não me satisfazem

E promessas não me satisfazem mais como antigamente. Tudo que eu fazia era sonhar, imaginar e para mim já estava bom. Mas, hoje, vendo o passar dos anos e o correr do mundo, nada disso significa mais nada. Sonhos só são bons quando se tornam metas. E minha meta hoje é parar de imaginar e colocar as coisas em prática de uma vez. Não me faça promessas, elas não me tocam mais. Palavras, escritas ou faladas, não tem poder sozinhas. Por isso, guardo meus sonhos em caixinhas, prontas para serem abertas quando cada chance surgir.






                     Valéria Mares

sábado, 25 de abril de 2015

Paraíso negro


Não sentia vontade de escrever, nem de fazer nada. Era uma daquelas dores que te fazem engasgar com lágrimas sem motivo. Uma dor sem motivo, que mata e faz descer ao fundo do posso. Sozinha, sempre sozinha. Sozinha nas batalhas e guerras, contando apenas com ela mesma e suas preparações. Derramando sangue sem apoio, sem consolo. E ninguém entende sua dor. E ninguém diz. E ninguém sabe. E todos se vão uma hora ou outra, inventando motivos, inventando desculpas. Sozinha de novo. Vivendo num paraíso negro de dores sem sentido.




                              Valéria Mares

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Lua da poesia

Sou a lua da poesia.
Na nova sou papel em branco;
na crescente sou ponta de caneta;
na cheia sou verso sufocado
e na minguante, sou estrofe morta.







                   Valéria Mares





sábado, 18 de abril de 2015

Escrever não é talento

Escrever não é talento, é castigo. É comer e não poder engolir, ter que vomitar. É ferida que não sara e sangra em versos. Escrever é ver cada pequena coisa do mundo penetrar-lhe o âmago, afiadas. Escrever é o preço que se paga por enxergar o mundo. É como olhar para o sol e, mesmo com a dor, continuar a olhar. Escrever é tortura com gosto de café amargo. Escrever não é talento, é um carma que todo aquele que sente sua humanidade plenamente tem que pagar.





                     Valéria Mares

segunda-feira, 13 de abril de 2015

O tempo

Não sou muito de escreve textos motivacionais e essas coisas, mas há momentos na vida em que nos sentimos tão plenos e inteiros que escrever sobre qualquer outra coisa é quase impossível. Começo falando sobre o tempo, o grande Deus que rege nossas vidas, Cronos. O julgamos tão mal, não acham? Logo aquele que mais nos ensina, nosso grande professor. O tempo me ensinou que o mundo gira, que as coisas se movem, oscilam. Então, deixe que o tempo passe, deixe que sua fúria o consuma, como me consumiu. Os anos me ensinaram serenidade, plenitude e paciência. Com o tempo eu descobri que nem tudo é matéria, que a mente envelhece mais rápido. Hoje minha mente tem 70 anos e volta e meia me diz a coisa certa a fazer. Ame o tempo, valorize-o. Ninguém é feliz em cada segundo, mas todos nós podemos tornar cada segundo mais feliz, apena olhando para eles com olhos ternos. Nesse instante, escrevendo esse texto, estou feliz. Quanto ao próximo, só
o tempo me mostrará.



                   Valéria Mares

domingo, 5 de abril de 2015

Feita de cores

Qualquer compreensão não me é bem vinda. Eu não gosto de ser compreendida, gosto de ser sentida, entende? A compreensão gera um desconforto em mim. Como alguém pode me compreender se nem eu mesma o faço? Impossível. Então não venha me dizer que me entende, que conhece os segredos por trás do meu cabelo volumoso, do meu olhar selvagem e do meu batom vermelho, porque é mentira. Você vê apenas uma imagem pintada de mim, entretanto, já parou para pensar em quantas cores foram misturadas para se chegar ao meu tom? Sou rubra de corpo e alma, querido, sou um vermelho quase líquido de outras cores. Sou da cor que eu quiser. Eu me pinto, borro e choro. Quando tiver desvendado o segredo das cores, volte aqui e diga que me compreende, será mentira, mas estará no caminho certo.




                       Valéria Mares

Medo morto

Morreu em mim naquela noite solitária. Morreu dentro da minha carne, dos meus ossos. Sangrou, tingindo do mais puro e lindo vermelho todo o meu corpo magro e branco. Matei-o com a adaga mais afiada, guardada virgem por anos de existência da minha alma. Penetrei-lhe com a lâmina até o líquido rubro espalhar-se graciosamente. Suspirei aliviada quando a morte o pegou sorrateira, levanto-o para o inferno, o tártaro, valhalla ou seja lá o que ele acreditava. Morreu meu medo naquela noite de outono, quando a lua de sangue iluminava o céu. Morreu meu medo quando descobri quem eu sou. Morreu meu medo com a adaga da verdade íntima do meu ser. Sangrou meu medo, banhando-me de prazer. Um prazer de ser pura e verdadeira, um prazer de medo morto.

                                                         Valéria  Mares

domingo, 1 de março de 2015

Inércia

Era como se uma vertiginosa nuvem de vapor houvesse se dissipado pelos fracos raios de sol que se infiltravam pelo teto do meu quarto cinzento. Era março e cada fibra do meu corpo sentia o outono se aproximando sorrateiramente. Minha pele descamava e minhas unhas quebravam ao menor toque. Os cabelos opacos caíam e eu me sentia uma árvore perdendo suas folhas. Meu peito era um buraco negro sem fim que abrigava apenas as questões de vida e morte que me atormentavam. No fundo eu sabia que não havia resposta, mas minha pele teimava em descamar, sedenta de conhecimento. O mundo era uma enorme floresta de questões e eu era apenas uma árvore perdendo suas folhas com o
outono. Talvez se eu quebrar o princípio da inércia, eu consiga respostas, pensei levantando-me. Preparei um café sem açúcar e me pus a ler pela enésima vez os manuscritos de Newton, pensando em quanta sorte ele teve por obter suas respostas. Talvez nem todas, uma vozinha em minha cabeça sussurrou. A inércia é o flagelo da sociedade contemporânea, ninguém quer se levantar e fazer algo. Talvez precisemos de um impulso, a voz na minha cabeça tornou a dizer. Um impulso era o que eu precisava. Tomei um banho frio, vesti algo confortável e saí para receber meu impulso, a maçã que me traria o conhecimento.





                          Valéria Mares


quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Metáfora

Sou metáfora representada pelo arquétipo da fada que não sabe voar. Sim, aquela que detém todo o poder em suas diminutas mãos brancas como a lua cheia. Seus olhinhos tristes a sondar vazio, a ver suas semelhantes voando. Sou essa metáfora intercalada numa realidade escaldante e exigente. Eu não sei voar! Mas todos me cobram, me olham feio, me acham defeituosa. O mundo cobra de mim o que eu não aprendi. O mundo impõe a mim um tempo que não corresponde com o meu próprio tempo particular. Saio sozinha e me jogo num abismo, procurando dar fim a minha frágil existência defeituosa. E é ali, no desespero, no fim, que aprendo a voar, renascendo como uma lótus no lodo.





                    Valéria Mares

Eu mesma


Fujo dos padrões como o diabo foge da cruz. E não é por querer, sabe? Eu sou o que chamam de teimosa e é contra minha natureza fazer o que todo mundo faz, fazer o que esperam de mim. Minha dança é esquerda, minha religião sou eu mesma e não há quem me faça mudar. Nunca me considerei corajosa, mas olhando para o meu passado e tudo que eu vivi, concluí que ser eu mesma foi meu mais nobre ato de coragem.




                  Valéria Mares

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Dádiva feminina

Que do sangue eu me renove,
me transforme.
O sangue que dá a vida,
que cura a ferida.
O sangue da transformação,
a menstruação.
Dádiva feminina.
Sangrar sem morrer,
sangrar para fortalecer.
Teu sangue é teu poder,
não o renegue,
ou de volta ele te renegará.




                     Valéria Mares

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Flor e espinho

Que a escrita me arrume da bagunça que sou,
me salve dos demônios que tenho,
me leve aonde sei que vou.
Que a escrita não me abandone,
que chame meu nome,
que faça eu me ler.
Que ela somente me deixe ser
aquele emaranhado de flor e espinho
que eu, teimosa, fui nascer.


                       Valéria Mares